sexta-feira, 27 de maio de 2011

Diário de bordo por uma amiga-parceira-palhaça

Largo 2 de Julho

Hoje tem palhaçada?

Tem sim senhor!



O domingo amanheceu cinza e entre chuviscos e chuvaradas, típicos nesta época do ano na cidade de Salvador, o telefone toca: "Arô, arô! E aí paspalha? Tá confirmado, vamos pra praça às 15:30, né?!" Era Sabiá, confirmando o que já tinhamos combinado durante a semana, vamos começar a fazer rodas de rua na praça do Dois de Julho, centro da cidade! Eu estava anciosa, com aquele "Ai meu Deus" - bem na minha barriga - como é que vai ser... Um tempão que não saio na rua e me assumo Sarará... E ainda com chuva... Compartilhei a ansiedade e ele muito tranquilamente diz: "Não pensa tanto não, Ana, vamos! E a chuva vai passar!" Desliguei com a ansiedade latente...
Já sai de casa pronta, era só chegar na rua pra fazer a maquiagem e fosse lá o que fosse de ser - Vumbora! Cheguei com um amigo querido, também palhaço, o Rafa e encontramos menos de meia dúzia de pessoas sentadas no coreto. O céu continuava ameaçador e enquanto esperávamos os outros, resolvi brincar com os malabares de Rafa. Joga bolinha pra cá, brinca com quem passa pra lá, tentativa de fazer pontinhos e gols imaginários cada vez que a bolinha caia no chão. Desse jeito fui atraindo olhares curiosos dos que passavam e surpresa foi quando um morador de rua me olhou e disse: "Ei, não é assim que joga, passa pra cá as bolinhas que te ensino!" Bingo! A saída já tinha valido a pena! Trocamos olhares, risadas, piadas e lá foi ele seguindo seu rumo e me deixando com as lições! Ele não sabia, mas me fez a sala da rua. Me fez sentir a vontade, me recepcionou, me enxergou e a partir daí o frio da barriga foi pro beleléu! Weber, músico comparsa, começou a arrumar a parafernália sonora e pouco depois chega Poeira e Sabiá - irmãos! Sabiá olha pro céu, bate um papo em alto e bom tom com São Pedro, explica porque estamos ali e... pouco tempo depois os chuvisquinhos devem ter ido cair noutros jardins - Vai ter espetáculo!

A convocatória começa, então, a esquentar, combinamos alguns números e gags ali na hora, algumas partituras para uma idéia de espetáculo que Poeira e Sabiá tinham em mente, mas seria basicamente uma intervenção de muita, mas muita, eu disse muuuuuuita improvisação! Weber se apropria do violão e dá o tom do coral de loucos que eu, Sabiá e Poeira vamos cantar. Rafa, que nunca foi flautista na vida, pega a flauta e toca-lhe a soprar... 

De ópera a heavy metal executamos na praça, e as pessoas começam a chegar... A metade da meia dúzia inicial se multiplica, interagimos com eles, que topam fazer o show junto com a gente! O morador de rua que me ensinava malabarismo retorna e ocupa seu melhor lugar no chão e ri o seu riso. As pessoas riem suas risadas, eu sou eu e faço graça. Cheguei no estado de plena graça! Ali, bem diante deles e com eles, meus irmãos palhaços, meus irmãos platéia, irmãos músicos. Sob o céu ainda cinza, numa atmosfera transmutada de uma praça incolor que se tornou brilhante, radiante com todas aquelas pessoas que em comunhão construiram aquela hora de prazer e partilha. 

Quando a roda encerrou meu coração era todo gratidão!



A rua é minha! A é rua é nossa! É do povo! Eu sou o povo! Você também é! A rua tem se mostrado cada vez mais necessária no meu processo de crescimento pessoal, porque esse caminho se caminha só mesmo. É um caminho interior onde os amigos, os pares, as pessoas com as quais nos identificamos podem e ajudam de fato, mas o processo que se dá, o de crescimento, é individual, ainda que reverbere por todo o Universo. É na rua onde eu me encontro com o outro, e que tenho a possibilidade de dar de mim, sem esperar em troca algo palpável. Às vezes a espera está só no sorriso... Noutras é o olhar que mbasta. Tem vezes que surge o toque, a fala... Acabo de pereceber que no fundo espero algo de transformação, em mim e no outro. Troca de sutilezas, belindezas do ser humano. A rua é o caminho por onde todo mundo passa, diferem as formas como se passa... De carro ou a pé. De ônibus, com pressa ou lentamente, todos passam. A diferença está em como se passa... Tenho encontrado uma maneira feliz de passar. Maneira de aprender e trocar, ser palhaça é uma opção, que me liberta sem ter que dar mais satisfações em poder trocar.



Pessoal! Tô na ruuuuuuA!



Esse é só um depoimento de uma palhaça que começa a dar os primeiros passos... um diário de bordo que resolvi compartilhar, e do fundo do meu coração - não me importo com o que você vai achar! :o)


Ana Sarará

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Total de visualizações de página

Seguidores